Embiraça
Em Tupi-Guarani, embiraça significa “de casca grossa”.
Iniciei a observação de meu lixo doméstico, e parti para viagens fantásticas no mundo da captação de imagens desse lixo.
Com o acúmulo de cerca de 1kg. de lixo, por habitante, por dia, nossas cidades produzem um arsenal de possibilidades imagéticas.
A princípio, estarei fotografando somente as cascas de alguns alimentos consumidos em minha própria casa. Este é um lixo orgânico.
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A mandioca, o corpo de Mandi
A mandioca é alimento principal de várias culturas indígenas. Os alimentos básicos vem cercados de estórias miraculosas, que ressaltam sua importância essencial para a vida do povo. Assim acontece com o trigo, o arroz, o milho e a batata, entre outros. As religiões tomam alguns desses alimentos e os transformam em sacramentos, que sinalizam a vida eternal anseio de todos os sonhos.
Na cultura Tupi-Guarani, guarda-se uma bela estória da origem da mandioca.
Em tempos muito antigos, a filha de um chefe indígena, apareceu misteriosamente grávida. O chefe quiz punir quem desonrara a filha. Para saber quem era, pressionou-a fortemente com ameaças e severos castigos. Devia revelar o nome. Tudo em vão. A filha negou que tivesse tido relações sexuais com alguém. E permanecia inflexível nessa sua negação.
O chefe resolveu então matá-la, para vingar a honra e para dar uma lição a todas as moças da tribo. Porém, eis que lhe apareceu em sonho um homem branco, dizendo:
– Não faça isso. Não mate a sua filha. Ela é inocente. Jamais teve relação com algum homem.
O cacique ficou temeroso e resolveu atender à voz do homem branco. Desistiu de sacrificar a filha.
Após nove meses, nasceu uma linda menina. Sua pele era branca como a nuvem mais branca. Mandi era seu nome. Todos ficaram intrigados e amedrontados quando viram a cor de sua pele. Ninguém tinha nascido com essa cor em toda a história da tribo.
Os olhares de todos se cruzavam, comparando o castanho-dourado de suas peles com a alvura da linda menina.
– É um triste presságio. Desgraças virão sobre nossa tribo e sobre nossas plantações – comentavam os mais idosos.
Juntos, foram ao cacique. E sem meias palavras disseram:
– Por favor, faça desaparecer essa sua netinha. Ela vai nos atrair desgraças sobre desgraças.
Ele, no entanto, lembrando a voz do homem branco, nada disse. Olhou com os olhos perdidos ao longe e, depois, olhou firme para cada rosto dos que falaram. Tomado de compaixão, havia decidido interiormente não atender aos pedidos dos velhos.
Mas veio-lhe uma ideia inspirada. Certa feita, no silêncio de uma noite especialmente estrelada, ainda de madrugada, foi ao rio. Levou consigo a netinha Mandi. Ela olhava ao redor, assustada, sem nada entender. Lavou-a cuidadosamente nas águas claras do rio, enquanto suplicava às forças dos espíritos benfazejos. No dia seguinte, reuniu a tribo e disse com voz forte, para não tolerar objeções:
– Os espíritos recomendaram que Mandi fique entre nós e que seja bem tratada por todos da tribo.
Os índios, ainda em Dúvida, obedeceram e acabaram se resignando. Com o passar do tempo, Mandi foi crescendo com tanta graça que todos esqueceram o mau presságio e acabaram apaixonados por ela. O cacique estava orgulhoso e feliz.
Mas um dia, sem ter adoecido ou mostrado dores, a menina, inesperadamente, morreu. Foi um lamento geral. Os mais idosos choravam em meio a grandes soluços. O cacique estava inconsolável. Não comia nem bebia. Só chorava. Os parentes, vendo o quanto o avô-cacique amava Mandi, disseram:
– Vamos enterrá-la la na maloca dele. Assim ele se consolará.
Em vão. Ele, inconsolável, fechou-se em sua dor e não fazia senão chorar. Chorava dia e noite, sobre a sepultura de sua querida netinha. Tantas e tantas foram as lagrimas que, surpreendentemente, do chão brotou uma plantinha.
Os pássaros vinham bicá-la e ficavam inebriados, para o espanto de todos. Mas, certo dia, uma coisa espantosa.
Aconteceu: a terra se abriu. Apareceram à mostra belas raízes de uma planta, nascida do pranto do avô. Os índios, alvoroçados, correram para fora da maloca e chamaram a todos, dizendo:
– Olhem que coisa maravilhosa! Essas raízes são negras por fora, parecem ate sujas, mas dentro são alvíssimas.
Respeitosos e com as mãos nervosas, colheram essas raízes, quebraram suas pontas e se certificaram de que eram realmente alvíssimas.
Pareciam a pele de Mandi.
Começaram a comê-las e viram que eram deliciosas. Foi então que fizeram uma associação inspirada:
– Seriam aquelas raízes a vida de Mandi que se manifestava?
Nunca mais deixaram de comer essas raízes. E foi assim que elas se tornaram o principal alimento dos índios Tupi-Guarani, das demais tribos e da maioria dos brasileiros, sendo transformadas em farinha, beijus e cauim. Chamaram então as raízes de Mandioca,
que significa "a casa de Mandi", ou também "corpo de Mandi".
Fonte:
BOFF, Leonardo
O casamento entre o céu e a terra – Contos dos povos indígenas do Brasil.
Ed. Salamandra, RJ, 2011.
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Do dia Nº. 21.582 ao dia 21 588
Embiraça I – Casca de macaxeira (em Tupi-Guarani, mandioca mansa, aipim).
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Embiraça I/1 (15.11.2011) |
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Embiraça I/2 (16.11.2011) |
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Embiraça I/3 (17.11.2011) |
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Embiraça I/4 (18.11.2011) |
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Embiraça I/5 (19.11.2011) |
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Embiraça I/7 (21.11.2011) |